«Parar o regionalismo seria pôr uma meta no tempo»
Serras da Pampilhosa (SP) – Descreva-nos a sua vivência em terras pampilhosenses até ao momento em se viu obrigado a deixá-las. Presumo que nelas tenha passado a sua infância…
Américo Gonçalves (AG) – Nasci em Lisboa, em Dezembro de 1930, e nesta cidade vivi até aos oito anos. No Verão de 1939 resolveram os meus pais fixar a residência em Carvalho, freguesia e concelho de Pampilhosa da Serra, e foi nesta vila que fiz os exames da 3.ª classe (então existente) e o da 4.ª classe. Recordo, com saudade, três grandes amigos que fizeram este exame comigo, todos já falecidos: o Manuel Barata, o Jaime Fernandes Firmino e o Henrique Brás. Fui depois para a Figueira da Foz, com a idade de 10 anos, frequentar o seminário ali recentemente instalado, onde estive dois anos, até transitar para Coimbra (Seminário Maior). Foi nesta instituição que completei os cursos do Preparatório e de Filosofia – estes últimos correspondentes ao 6.º e 7.º anos. Já na frequência do primeiro ano de Teologia, em 1948 e com 17 anos de idade, decidi deixar aquela casa por razões puramente ideológicas, mas dela retenho as melhores recordações. Muitos amigos lá deixei, mas ainda mantenho alguns, com proximidade e cordialidade. Na cidade de Lisboa iniciei, de seguida, a minha vida profissional e propus-me completar os conhecimentos já adquiridos com outros, das áreas de contabilidade de gestão, na preocupação de ascender a uma situação de trabalho estável e financeiramente compensador. Uns anos mais tarde assumi funções, como sócio e gestor, numa empresa do ramo de papelaria que se tornou numa das maiores de Lisboa, onde permanecei até 2000, ano em que renunciei às funções de gestor e, pouco tempo depois, à posição social.
SP – Qual é actualmente a sua ligação à Pampilhosa da Serra?
AG – Nos tempos de estudante fazia as férias (Natal, Páscoa e Verão) sempre em Carvalho, na companhia dos meus pais e de alguns amigos. Mais tarde, já com obrigações profissionais, as visitas prolongadas passaram a ser apenas no Verão e, já casado, mais curtas se tornaram, embora periódicas, pois visitava os meus pais com regularidade. Só após o falecimento de ambos é que as minhas deslocações a Carvalho se tornaram raras e quase sempre de passagem.
SP – Em que momento e porque razão se dedicou à escrita?
AG – Quando frequentava o seminário, estava eu no 7.º ano, resolveu-se na minha prefeitura iniciar a publicação de um jornal manuscrito a que demos o nome de “O Pirilampo”. Fui um dos fundadores e colaboradores, usando o pseudónimo de “Carvalho da Serra” que ainda conservo, e alguns dos sonetos publicados então abrem o meu livro “Pedras Soltas”. Posteriormente, já em Lisboa, publiquei também algumas poesias em suplementos literários. Como a minha actividade profissional não proporcionava tempos livres para escrever poesia, resumia-se esta a alguns apontamentos que ia anotando à mesa do café ou do restaurante onde almoçava habitualmente. Possuo muitos deles e ainda hoje me são úteis para criar nova poesia. Tanto no livro “Pedras Soltas” como no “Seara de Palavras” muitas composições têm a mesma fonte nestes apontamentos e até no “Temporalidades”, 2.ª parte, o mesmo se verifica.
SP – Quanto tempo dedica à escrita?
AG – Escrevo apenas por prazer, sem horários e geralmente em tempo curto, que pode acontecer até à mesa de um café. E também sem projectos, pelo que não sei se publicarei um quarto livro. Mas tudo poderá acontecer.
SP – Em que medida as suas raízes pampilhosenses influenciam a sua escrita ou o seu modo de ser?
AG – Existem vários temas nos meus dois primeiros livros que têm a ver com a minha vivência na serra, e é fácil encontrá-los. Já no terceiro, “Temporalidades”, há um afastamento notório, assim me parece. Gosto muito do concelho da Pampilhosa e das suas gentes e até na própria vila tenho parentes, embora não muito próximos, pois já remontam à geração ligada à minha avó paterna. Uma tia-avó, que eu muito estimava e respeitava, residia na vila e a sua ascendência agrupa pessoas que muito dignificam a Pampilhosa.
SP – Como avalia o regionalismo e quais as suas perspectivas para o amanhã?
AG – Falando de regionalismo, nunca estive a ele muito ligado, pelo menos com o afecto e a dedicação latentes em muitos conterrâneos, mas nunca fui alheio ao trabalho por eles desenvolvido para o bem-estar das populações. E sei que ao regionalismo se deve o incremento implementado em prol do convívio, alegre e vigoroso, entre as novas gerações serranas. Estas têm presença, têm garra e vontade, e a entrega da sua juventude às causas nobres das suas terras, o que é de admirar e louvar. Parar o regionalismo seria pôr uma meta no tempo. Vejamos: sem a juventude que se reúne e convive nos fins-de-semana e nos meses de Verão quem daria luz às ruas e às casas das aldeias? E qual seria o futuro destas povoações? E da sua cultura? E das suas gentes?